terça-feira, 29 de abril de 2014

Crônica : Ruyan Neves

Com menos de 6 anos de idade, Suzane já acreditava possuir habilidades únicas, muito mais especiais que a dos super-heróis da TV. Conseguia, por exemplo, com sua super audição, adivinhar a chegada do pai pelo barulho das chaves em suas grandes mãos ansiosas. Todavia, o superpoder mais exclusivo era secreto. A menina conseguia sentir o cheiro de chuva.
Após os dias mais quentes, quando a tempestade lavava descuidadamente as folhas das árvores e levava o pó acumulado no barro dos telhados de volta ao chão, Suzane sentia o perfume da chuva subir como uma brisa fresca. Era como se o ar fora reinventado, só para ser respirado, inédito, pela menina de cotovelos na janela.
Assim, entre todas as habilidades, essa era a mais mágica, porque enchia o mundo de novidade. Por isso, a menina acreditou que precisa dividir o segredo e, em uma tarde de chuva, contou sobre seu superpoder para o tio Ruyan, a única pessoa no seu mundo que parecia enxergar alguma magia fora da luz azul da televisão.
O tio, com as seu nariz, fungou o ar ao redor e sentenciou a magia à morte. “Cheiro de chuva? Isso não existe menina. É só água, caindo do céu e voltando para o chão. É bonito, mas não tem cheiro.”
Suzane, tão criança, confiava nos adultos. Especialmente no tio. E, após o veredito da tio, passou a ignorar o cheiro bom de depois da chuva. Ainda podia senti-lo, mas tentava não prestar atenção. Deveria ser alguma daquelas coisas que só ela via e entendia. Coisa que não existe, qualquer bobagem. Um dia deixaria de ser menina e era melhor, por antecipação, não se ocupar de criancices.
Mais velha, Suzane descobriu muitas coisas. Durante uma enfadonha aula de ciências("bora Delano"), em uma terça-feira quente, aprendeu que o cheiro de chuva existia. Era coisa comprovada e explicada com uma equação complexa para ser entendida. Capaz até de cair na prova. Enfim, não era louca. Ao menos, não por sentir cheiro de chuva.


Deve ter sido de propósito que os deuses lançaram, justo após aquela aula de ciências , uma chuva, destas perfeitas. Nem fortes, nem fracas, sem ventos, mas de pingos fortes. E o cheiro da chuva subiu do chão, enquanto Suzane voltava para casa.

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